segunda-feira, 17 de junho de 2013

TALITA

  Roberto sentia um vazio no peito que não sabia explicar. Era verdade que ele não aguentava  mais as chacotas sobre sua solteirisse, palavra estranha, mas que identificava bem a sua vocação para a solidão. Que adiantava? Quando ele queria elas não queriam, quando elas queriam ele não se interessava. O que faltava, de verdade, era um amor verdadeiro, um arrebatamento ao seu coração. Já estava perdendo as esperanças, já tinha pensado até em estudar para ser padre! Não era desses aventureiros que aceitavam mulheres que não se valorizavam, queria uma com a simplicidade de menina mas ao mesmo tempo, com a magia sedutora de uma mulher.E nessas idas e vindas da vida, nada mudava a esse respeito.Uma noite, remoendo sua frustração, adormeceu em seu leito após as preces habituais e,ante sua visão surpresa, ao descortinar-se uma neblina leitosa dos dias que preveem calor intenso, uma voz de mulher cantava:
 ...Tenha calma não se vá meu pobre santo tenha fé.
 ...Te prometo vir a ser do jeito que você quer.
 ...Um amor, de mulher...
  Ele procurava na neblina e quando a voz findava ele chamava:
-Vasty! Vastyyy....
  Quem era Vasty? Como que em resposta, em meio à névoa um rosto surgia ao longe, uma mulher de perfil virava o pescoço para a direita e olhava-lhe misteriosamente nos olhos com um meio sorriso, dava-lhe as costas e sumia na neblina. Ele desesperadamente, ia naquela direção, quando então acordava ofegante. Esse sonho passou a repetir-se toda a noite. A canção, ele chegando perto dela e o final frustrante. Num dos sonhos,chegou a sentir o perfume dela mas ao estender a mão para tocá-la, ela desaparecia novamente. Aquele sonho se repetindo foi deixando-o depressivo. Os amigos aconselhavam: "Procure um psiquiatra"! Eu não sou doido, isso deve ter uma explicação! Mas a única explicação era absurda. Ele estava perdidamente apaixonado pela mulher daqueles sonhos. Até deitava-se mais cedo na ânsia de revê-la e a revia sempre em sonho. Contudo, seu desespero aumentava ao não poder tocá-la. De tanta angústia, venceu o preconceito e marcou a consulta com o psiquiatra.
  Aquele era um dia realmente ruim. Pelo menos era o que ele sentia. Era como se todo o seu corpo doesse. O céu lindo e límpido, o clima morno de meia estação, o perfume das plantas e flores que ladeavam seu caminho, os olhares curiosos para aquele homem taciturno que até parecia interessante, para as moças bonitas que entravam e saiam de uma agência de modelos por uma rua em que ele passava, nada lhe chamava a atenção. Ele só  pensava nela: "Vasty, Vasty, Vasty"! Imaginava estar às portas da loucura.
  Já no consultório psiquiátrico, uma moça aguardava ansiosa para ser chamada. Uma outra mulher, vizinha do outro sofá da sala de espera, perguntou a ela aos cochichos:
 -Porque você veio? O que você tem?
 -Ela, muito educada respondeu:
 -É loucura, você não iria acreditar!
 -E nós não estamos aqui por isso mesmo?
 -Mesmo o que?
 -Loucura, oras! Quem vem a um psiquiatra se não for por loucura? Eu mesma só aceitei vir para que não me interditassem. Imagina você, e falou mais baixo ao ouvido dela, ninguém acredita que o Brad Pit     é apaixonado por mim. Aquela coitada da Angelina Jolie nem sabe que ele vai trocá-la por mim. E eu só estou te contando porque você parece uma boa menina. Você quer conhecer o Brad Pit?
 A essa altura a interpelada já estava horrorizada. Estava ali por um problema sem solução e só aceitou procurar o especialista por que se sentia literalmente enlouquecer. Nessa altura um homem chama a "namorada do Brad Pit":
-Vamos embora irmã, já falei com o seu médico.
-E o que ele tinha para falar com você que eu não podia ouvir?
-Ele pediu para você trazer o Brad na próxima consulta, ele quer pedir um autógrafo, agora vamos embora! E praticamente a arrastou pelo braço.
 A moça que ficou, estava transtornada. Era assim o tratamento ali? Encorajavam as ilusões dos pacientes? Ela entrou no banheiro para espairecer. Enquanto ela jogava água no rosto e no pescoço, Roberto dava entrada ao mesmo consultório. Estava desolado. Como um psiquiatra iria suplantar a falta que ele sentia de uma mulher, literalmente dos seus sonhos? Uma voz feminina ecoou numa canção:
...Tenha calma não se vá meu pobre santo tenha fé..
...Te prometo vir a ser do jeito que você quer...
...Um amor, de mulher...
 Roberto foi até a porta do banheiro:
 - Eu reconheço essa voz, é ela, é ela!
  A secretária foi  até ele:
 - O banheiro está ocupado, senhor!
 - Abram essa porta agora, disse ele agitado, abram essa porta!
  Não foi preciso, a moça saiu do banheiro para ver o que acontecia e... deu de cara com ele. Os dois arregalaram os olhos, gritaram ao mesmo tempo e... perderam os sentidos. A sorte é que a queda de ambos não foi de mau jeito, então não se lesionaram. Colocados em duas macas no consultório, voltaram a si 2 horas depois, os dois abriam os olhos simultaneamente, um em cada maca, em quartos diferentes daquela clínica. Quiseram levantar mas estavam com soro instalado.
 -Calma, disse o médico que acompanhava, deixa a pressão se estabilizar!
 A moça então disse:
 -Não é alucinação, ele realmente existe!
 -Quem existe? Perguntou o médico?
 Então ela contou:
 -Minha infância foi a melhor que uma criança poderia ter. Subi em árvores, mordi fruta no pé, tomei leite tirado na hora, andei a cavalo, tomei banho de cachoeira,tive dezenas de cachorros e gatos e até fui boa no futebol,na bicicleta e na capoeira até que...eu cresci, ai meus problemas começaram.Havia uma agonia dentro de mim que não passava desde a primeira adolescência, até que...piorou, comecei a sonhar com um homem todas as noites que corria atrás de mim e eu fazendo graça, como se brincasse com ele, eu escapava e me escondia fazendo charme. Acontece que quando eu acordava, ficava morta de raiva de mim. Porque eu não parava para conversar com ele? E isso se repetiu por anos, fui ficando triste, depressiva e praticamente então, me empurraram para uma consulta psiquiátrica. Nem passei no médico e na sala de espera e eu o vejo, o homem dos meus sonhos!
 O médico não acreditava, tinha de acarear aquilo. Foi até Roberto que confirmou o sonho complementando que a via ali pela primeira vez, mas tinha certeza de que ela se chamava Vasty. O doutor ficou perplexo, pelo fato da moça ter afirmado que o nome dele era Roberto. Não lhe restava outra alternativa senão a de por um de frente para o outro, e não perderia essa aventura por nada. Exigiria ser o padrinho.
 Quando os dois ficaram frente a frente de novo, se jogaram nos braços um do outro sem titubear. Se abraçaram, se beijaram, trocaram eu te amo e o resto todos poderiam prever, mas uma coisa Roberto queria corrigir:
 -Vasty, a música que você cantou até nos meus sonhos é do Djavan e se chama Tenha Calma. Tem uma frase que diz meu pop star e não meu pobre santo, como você canta.
 -Olha, amado imortal, eu acho que ouvi a Bethânia cantar desse jeito na novela Tieta.
 -Quem sou eu pra discutir, eu quero mais é te curtir. 
  Casaram-se, o psiquiatra foi o padrinho, colecionando aquele incrível relato de amor para o rol de suas histórias.
  O tempo passou e Vasty engravidou. Os dois passaram a pesquisar vários nomes, mas nem eles conseguiam explicar porque, só procuravam nomes femininos.
-Querida, Cibele quer dizer mãe dos deuses ou deusa mãe, ligada à fertilidade, também foi designada com a senhora dos animais.
-Querido, Paula é pequena, Bruna é morena, Ana era avó de Jesus e também é cheia de graça.
-Caramba, eu falo um nome, você fala trezentos, que humilhação.
-Meu príncipe, façamos o seguinte, repetiremos vário nomes, e se a barriga mexer, a escolha foi dela, certo?
 -Certo, minha toda vida.
-Bárbara, Semiramis, Fernanda, Ana Caudia, Rosario, Andreia...dizia ela.
-Fátima, Eliane, Elaine, Tatiana, Mariana, Rute... Gislaine, dizia ele.
-Ai vida minha, que disputa difícil. Faz favor, me pega um saquinho de chá ali no armário e faz um chá pra mim?
-Faço, amor eterno, mas você quer de frutas vermelhas, camomila, erva-doce, hortelã....
-De camomila, meu perfume raro, mas por favor, guarde tudo no mesmo lugar que tirou, porque você bagunça as coisas e depois, eu com esse barrigão vou ter que me virar para achar o que você escondeu.
-Oh, minha mina do mais rico ouro, olha onde eu estou colocando, pra não dizer depois que eu pus fora de lugar, olha preste atenção, coloquei ali, ta ali, ta?
-Roberto, a barriga se mexeu! Ele correu para ela, pôs a mão na barriga, esperou e nada. Vasty falou:
-O que você disse, meu bem?
-A última frase?
-Sim, o que você disse por último!
-Eu disse ta ali, ta!.
-Ui! Põe a mão aqui, meu encantador...isso, agora repete.
-Tá ali ta, tatatata, ta mexendo, ta mexendo!
-A nossa filha escolheu o próprio nome! Que incrível!
-Que nome, meu pavê, ta ali ta?
-Não, seu bobo lindo, Talita, esse vai ser o nome porque ela escolheu!
-Nada é mais incrível em nossa vida, meu doce.
 E foi assim que um bebe na barriga da mãe, surpreendentemente, escolheu seu próprio nome.  E para complementar todas aquelas fantásticas coincidências, nasceu uma doce menina:
  Talita.   
 Vale observar que o nome Talita quer dizer garotinha. Em Marcos 5:21-43, Jesus teria ressuscitado a filha de Jairo com a frase em Aramaico ou Hebraico Arcaico: "Talitha cumi" ou "Thalita kum ou "Talitha qoum" que significa: "Garotinha eu te ordeno: levanta."






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