quarta-feira, 24 de abril de 2013

ALADEMIR

 Em 1978, saiu a nota de mil cruzeiros. Aquela com a cara do Barão do Rio Branco. Tinha até uma piada num programa humorístico que virou moda na época: quando alguém cobrava uma dívida ou um familiar do dono da casa pedia algum dinheiro, ele respondia puxando a nota do bolso: "Lá vai Barão"!
 Imaginem o nível da inflação para que fosse necessária a impressão dessa cédula. A realidade de então é que o pobre não via uma nota dessas tão facilmente, pois o salário mínimo era de Cr$ 1.106,00, ou seja,   quem conseguisse ganhar esse valor pois existia quem ganhava bem menos, poderia vê-lo só no dia do pagamento e se não tivesse o azar de ser assaltado, teria que repassa-lo rapidamente ao dono do armazém, acertar as dividas pendentes e deixar algum guardado para o pão de cada dia!
 A nossa história começa justamente no mês de janeiro do ano citado.
 Naquela tarde veranil a temperatura era ótima. O céu de um azul claro e suave, apresentava-se acima qual aquarela, onde como que um gênio de tamanho descomunal, teria tingido a toques de pincel aqui e ali com leves nuvens, como pequenas ralas tiras de algodão esparsas, sem descuidar de, numa extremidade da tela, acomodar o sol à maneira de esfera amarelo-dourada com nitidez enceguecedora. Num banco de feitio e acabamento artesanal, como que concebido por um Michelangelo da marcenaria, banco esse assentado em primorosa praça de singela cidade, um rapaz espera sua noiva, portando uma margarida à destra. O seu rosto se ilumina ao avistar sua amada que se aproxima, um exemplar de linda moça interiorana, envergando um vestido simples, porém de bom gosto, de corte reto contudo acinturado, salpicado com uma estampa em desenhos de lindas flores em cores primaveris. O rapaz romântico, cavalheirescamente levanta-se e vai ao encontro dela, estendendo-lhe a flor. Ela, em contrapartida, não correspondendo ao belo gesto, vai logo interpelando-o:
-Dondi ocê pegô essa frô? Foi du jardim du nhô Bispo, num foi? Ocê num pódi têm compradu. Cê só anda duro!
-Ô amô, essa fro num si compara a ocê, qui é uma verdadera frô di fromosura, mais é a mió qui eu pudi consigui e asdepois, lá tem muita margarida. Ele num vai da por farta. I si dé, num vai si importá. I qui nome é o dele heim? Bispo parece inté nomi di chefi di padre.
-Mais respeito homi, lembra qui pelo carinho qui ele lhi tem e por ser seu padrinho é qui eli vai pagá nossu casamentu! Afirmou ela irritada.
-Minha fada, num briga cumigu pruque eu andu duru sim, mais é pra cuida da vida di nóis dois. Respondeu ele contrafeito.
-Tá bão, tá bão, me adiscurpa mais é qui as coisa mudaru, disse ela transbordando amargura. Eu fui nu dortô Epaminondas i na saída, incontrei u muleque Faustino cum a charrete. Pidi intão, já qui eli ia passá na rua di sua casa, pra mandá ocê incontrá eu aqui, já qui é u lugar mais perto do consultóru e tamém da sua casa. Ná vorta,ví cumadi Terência qui tava dibruçada na mureta da casa dela, i ela mi chamô pra um café. Aceitei e di lá, vim pra cá.
-I pruque qui ocê num foi im casa? Ocê sabi qui nóis adiantemo tudu u serviçu, mais tá atrasada ais intrega dais  sementi , pur issu é qui o nhô Bertoldo deu forga prá tudu nóis da fazenda.
-É qui uqui eu tenhu pra falá é muitu particulá. Num quiria falá na sua casa.
-Intão fala u qui ocê conversô com o dortô, qui já tô nervosu. Vamu, tô isperanu, fala!
-Tá isperanu nada, quem tá isperanu sô eu!
-Que qui cê tá falano?
-U qui ocê orviu, ara! Tô isperanu um fio e ai do cê si falá qui num é seu qui eu ti partu a cara na bulacha. Bem qui minha regra tinha atrasado.
- Pra eu, regra só de futebór.
-Qui ingnorança, homi! É.... Vá lá, tamém isso é coisa de muié memo. Sê num tinha qui sabê disso.
-Mais pruquê essa nervura toda morzinho, si nóis vai casá sábadu? Disse ele tentando minimizar a situação.
-É qui eu num quiria casá di barriga, inda mais cum tudu mundu sabeno! E desatou a chorar convulsivamente.
-I quem vai sabê cê ocê num contá, linda. Óia qui é mais fácir o padre contá nossais confissão, du que o dortô contá. Eli é um homi muitu inducadu i num vai contá nem qui ocê quêra, agora si ocê contô pra cumadi Terência, inté  prus difuntu du cemitéru ela vai contá.
-Dêxa de blasfêma homi, num contei pra cumadi ninhuma, ara. I só aceitei u café, pruque mi alevantei injuada i num consigui come nada quando saí. Só num vumitei pruque tamém num consigui jantá onti. Quandu sai do dortô, mi deu uma fomi tão infiliz qui pensei qui ia dismaiá. Fois por Deus qui a cumadi mi chamô pra mi alimentá.
-Eu vô vê si hoji memo passo na cumadi pra agradecê di ela tê tratado bem a minha frô, disse ele passando as mãos com carinho no rosto dela, mais mi diz, ocê num tá si preocupanu sem nicissidade? Sí já tá cunsumadu memo i nóis já vai casá! Qual é u probrema, minha deusa?
 -É qui eu tô cum muita vregonha. E chorou mais ainda.
-Ai qui só mi fartava essa! Num tivemu vregonha di fazê i agora ocê tá cum vregonha di tá isperano um fio? É craro qui cum minha ajuda né? I queru lembrá qui ocê gostô bastanti di sê ajudada. Disse ele rindo.
-Pára di brincá cum coisa séria, disse ela desferindo tapas para cima dele, Ocê num intendeu? Eu tô grávida?
-Para de mi batê, disse ele imobilizando-a com carinho, i pensa bem. Tem tanto casar quereno um fio i ocê já tá fazenu um pra nóis i comu eu já disse, cum a minha colaboração, disse ele com amor.
-Só ocê memo pra mi acarmá. Mi adiscurpa di novo. Sô uma tonta memo, disse ela enxugando o rosto na camisa dele.
-Si ocê é tonta, é pruque a minha tontera di amor passô pro cê. Ti amu minha maraviliosa. Proferiu ele essa última palavra com toda ênfase de seus sentimentos, envolvendo-a em seus braços.
 E o sábado chegou, e eles se casaram, e nove meses se passaram, e nasceu um lindo menino. Foi aí que a disputa pela escolha do nome ficou acirrada. Ela queria por Terêncio em homenagem à sua comadre, ele queria colocar Epaminondas, porque seu filho seria doutor, então teria que ter nome de doutor.
-Cê tá quereno indoidá ingual o seu amigo, pai do Serapião? Retrucou ela já sem calma. Para di mania homi, si ele tivé qui se dortô, vai sê, i num é um nomi qui vai mudá isso.
-I ocê qui qué por u nomi daquela fofoquêra da cumadi Terência, hein? Respondeu ele.
-Mais respeitu homi, qui ela já ajudô muito a genti! Devolveu ela fulminando-o com os olhos.
-Ta bão, disse ele, intão vai sê assim: Eu i todus trabaiadô da fazenda tamu sem recebê, pruque o nhô Bertoldo num consiguiu preçu pra safra. Si eu consigui u milagre de acertá nossus fiadu i ainda sobrá denheru pra tira u registru du nossu fio, u nomi que eu falá na hora vai sê u nomi deli.
-Ara. Aí eu tô di acordo pruque isso nunca qui vai di acontecê. Respondeu ela com uma gargalhada irônica.
 Entretanto, ele tinha tanta fé no que disse, que fez com que ela arrumasse o bebê e se arrumasse porque eles iam ao cartório registrar a criança, mesmo ele não possuindo uma única moeda nos bolsos vazios, antagonizando com a sua cabeça cheia de sonhos .
 A caminho do cartório, algo realmente aconteceu que mudaria aquela situação. Um vento forte trouxe uma tira de papel e a fixou no tronco de uma árvore da praça. Ele logo viu o que era e gritou tresloucadamente:
-Alá! Alá! Alá de mir, alá de mir.
-Alá uquê homi, ta  falano arabí? Alá, Ali Babá? Falou ela envergonhada com a cena no meio da rua.
-Alí Babá nada. Alá, olha lá! Alá de mir, alá de mir, de mir crozero! Retrucou ele sem se importar com a vergonha dela. Ela então, fixou o olhar para onde ele apontava, mas outra rajada de vento que mudou de direção, soprou poeira aos olhos dela que, segurando o bebê com a mão direita, usou a esquerda tentando tirar a terra das vistas. Essa mesma segunda rajada, fez com que a tira de papel se soltasse da árvore e viesse praticamente colar-se ao peito do pé dele, mostrando claramente o desenho do Barão do Rio Branco. Ele abaixou-se com cuidado para que o papel não lhe escapasse, apanhou-o com a destra, esticou-o com as duas mãos, olhou bem para ele e então teve certeza. Era uma cédula genuína de mil cruzeiros.
-Brigado Pai do Céu, brigado Jesuis, eu tinha fé que oceis num ia mi fartá! Exclamou levantando a nota para o céu.
 A família então seguiu para o cartório, a esposa acompanhou o marido boquiaberta, sem conseguir dizer palavra, enquanto que um incidente a um quilômetro dali com o malote que levava os salários atrasados dos funcionários da fazenda, deixara escapar, minutos antes da surpreendente alegria daquele pai, uma cédula de mil cruzeiros, sugerindo um nome que o primogênito do casal carregaria em sua certidão para sempre: Alademir.   

sábado, 13 de abril de 2013

ASPASIA

 Parecia que eles haviam se conhecido para brigar. A impressão que dava, era o de um encontro de dois adversários e não de duas pessoas que se apaixonaram. E brigavam por infantilidades como: opiniões sobre personagens e tramas de novela, de filmes, gosto por filmes, preferências de vestuário, conclusões a respeito      de noticiários, protagonistas e coadjuvantes dos mesmos noticiários, divergências políticas: ela era psdebista ele petista, esportivas: ela torcia pelo corinthians e ele pelo palmeiras, religiosas: ela era umbandista e ele protestante. Em resumo: em nada concordavam, contudo se amavam profundamente, quando se separavam,  adoeciam literalmente e só recuperavam a saúde quando faziam as pazes. E que pazes! Se existe paixão avassaladora, aquele era o exemplo mais completo. Os dois se arrebatavam um com o outro, perdiam o sentido do mundo parecendo um só ser, para começarem a brigar de novo. As famílias nem opinavam mais, tinham esgotado todas as suas intercessões. Da parte dela, fizeram entregas a Iemanjá  trabalhos com pomba-gira, com as correntes dos caboclos, pretos-velhos, baianos, ciganos, fizeram banhos de sal grosso e de ervas, descarrego com incenso, pipoca, consultaram pais de santo, mães de santo, babalorixás, búzios, cartas.... Da parte dele fizeram vigílias, jejuns, unções, não descuidaram dos dízimos e ofertas, deram testemunhos, foram nas marchas para Jesus, consultaram presbíteros, pastores, bispos, irmãos com dons de visões de orações... nada adiantou! Uma coisa podiam observar acertadamente, eles, apesar de todas essas diferenças e contendas, tinham nascido um para o outro, porque nunca namoraram antes de se conhecer e quando ouviam opiniões sobre procurarem se relacionar com outras pessoas, tinham nojo. Só de pensar no cheiro, na pele, na boca de outras pessoas, perdiam até o apetite. E isso acontecia da mesma maneira com os dois, ele jamais olhara e olhava para outra mulher, por mais formosa e bela que fosse, se estivesse de biquíni ou roupas íntimas piorou, ele virava a cara. Ela por sua vez, não via graça e nem comentava sobre galãs de filmes e novelas porque quando assistia, só enxergava nas tramas românticas ela mesma e seu amado.
 Certa vez, de tanto sofrimento da família com tanta briga, a própria família se entendeu, e fizeram os dois concordarem em se separar, de corpos e de localidade. Mandaram ele, que adorava o frio, para o Rio Grande do Sul e ela que amava o calor para o Ceará. Com uma semana de separação, cada um em cada extremo do Brasil, os dois, simultaneamente entraram numa crise convulsiva, foram internados ao mesmo tempo, ele num hospital no sul, ela no norte. Cada um só falava o nome do outro, os médicos responsáveis por cada um deles, foram unanimes: eles tinham que se encontrar. Numa decisão médico judicial jamais tomada para salvar duas vidas, dois jatos UTI foram mobilizados, o casal tinha pouco tempo de vida e no aeroporto de Campo Grande, mais ou menos a meia distancia de onde os dois estavam, os aviões aterrissaram quase que na mesma hora. Ao aproximarem a duas macas, com monitores em cada um, parafernália de soros, sondas e todo equipamento necessário para manter vivas duas vidas por um fio. Pois bem; à simples aproximação das duas macas, os dois, que já estavam em coma, despertaram e em delírio clamavam ao mesmo tempo:
-Eu sei que ele está aqui...
-Eu sei que ela está aqui...
 Os dois foram imediatamente desligados dos aparelhos e afins e internados em uma enfermaria em Campo   Grande mesmo, com as camas uma ao lada do outra e de mãos dadas, constando esse item na prescrição médica de ambos.
 Tiveram alta, só paixão, voltaram para suas casas, mas se viam todos os dias, se recuperaram, amor mais doce que o de Romeu e Julieta e..., voltaram a brigar. E brigaram por que ele olhou para alguém, mas ele não olhava para mulher nenhuma, e brigaram por que ela deu atenção demais para alguém, mas ele era irmão dela...
 Um dia, a grande descoberta: gravidez. Mas continuaram  brigando. Antes do parto, continuaram brigando. Após o parto, continuaram brigando. A sorte maior era a de que apesar das intensas brigas, nunca houve a mínima menção, de qualquer um dos dois a qualquer intenção de agressão física. Eram total e completamente avessos a toda forma de violência corporal, mas verbal, definitivamente, não. Mesmo assim, casaram-se, compraram uma casa e foram morar juntos.
 A pequena, assim era chamada a filha dos dois, completara três anos de inteligencia precoce. Já falava quase tudo e os erros de dicção e de vocabulário que cometia eram inerentes à sua idade e encantadores.
 Numa determinada ocasião, a pequena estava em companhia de sua avó materna e perguntou a ela:
-Bobó, como papai e mamãe vão acabá biga?
-Ô, meu amor, seus pais vão acabar de brigar quando fizerem as pazes!
-Só, bobó?
-Só, minha jóia.
-Eu vô fazê eles pará biga.
-Deus te ajude anjinho, porque nossas famílias já perderam juventude e saúde tentando.
 Em casa os dois se altercando e a pequena olhando. Pararam então de se falar. Ficaram cada um dando atenção à pequena a seu turno porém sem trocarem uma palavra sequer. A menina, triste, ela olhando pela janela e ele olhando para a televisão. A criança se colocou bem no meio dos dois e disse:
-Papai, mamãe, faiz aspasia?
 Os dois se olharam, olharam para a filha e acharam aquilo lindo. Perguntando em uníssono:
-Repete, amor!
 Ela olhou para a mãe:-mamãe; olhou para o pai: -papai, faiz aspasia ces dois?
 O casal se deu conta que, por causa das brigas, não tinham nem cogitado em dar um nome á sua filha. Os dois se ajoelharam, beijaram a pequena regando-a a lágrimas de emoção e desde então, nunca mais brigaram. 
 Aquela família, agora, completamente feliz, ganhou a paz, com a chegada de um pequeno anjo que recebeu um pitoresco nome: Aspasia.    
   

sexta-feira, 5 de abril de 2013

ORESMINDA

 A lua cheia se insinuava entre ralas nuvens! O céu cinzento permitia, apesar de noite alta, a visão da floresta. Um uivo arrepiante denunciava a aproximação daquele ser medonho a espreita da próxima vítima.
O rosnar daquela fera apavorara aquele Vilarejo do Morro Torto até que um pistoleiro com uma bala de prata em seu revólver acabou com aquela vida amaldiçoada, metade lobo, metade homem. Ferido de morte,   aquele monstro foi voltando à forma humana gradativamente, apresentando ao povo, que já se juntava para ver o bicho, a identidade do filho do maquinista, que de tanta tristeza, carregou os seus seis filhos homens e mais aquele corpo para longe dali e nunca mais foi visto.
Os olhos do casal de portugueses estavam arregalados. Estavam impressionados com aquela história. Entreolharam-se:
-Jamaissh pritendo cruzare com uma fera dessassh. Cá eu não tiria a menori chanci dianti dessi cão dus infernus!
-Óh, homennn di Deussh! Estaissh a dizer blasshhfêmiasssh!
-Óh, mulhere di Jesuisi, poissh não ouvisshtissh u homenn. Um monssshtrengo dessessh pode vire a sere um pirigu!
 O casal despediu-se do preto velho que havia sido recomendado como o maior conhecedor das histórias daquele lugar esquecido, perdido dos mapas. Após as despedidas a portuguesa perguntou ao marido:
-Como pode um homen di maneira tao simplesssh obter um linguajar tao disshtintu?
-Óh  mulhere, poissh não lhi cuntaram por essassh esshquinasssh que ele é um intelectual desisshtente da vida social? Que se disincantou da sociedade e da fãmília que o preteriu e resolveu dar o qui tinha e viver com simplicidade?
-E pur acasu eu vivo a confabular pelassh isshquinassh homen? Tenho muitu u qui fazere óra poissh!  
 O português estava aposentado havia três anos e como alto funcionário do governo português e dispondo de um provento considerável, escolhera o lugar mais pacato do mundo para viver em paz com sua família. Mas essa paz virou angústia quando ele descobrira histórias sobre lobisomens que aconteceram naquele lugar. Também havia a decepção de ter vivenciado o abandono de sua querida filha Josefa, que vivia com eles, pois o genro irresponsável se ausentara, alegando viagem para ver a família, e nunca mais dera notícias. Distanciando-se da cabana do contador de causos, seguiram na direção da casa da benzedeira Arminda, mais conhecida como Minda, porque por rasões que ela mesma já havia esquecido, não queria ser chamada de senhora Minda, dona Minda ou coisa parecida. Eles a procuravam, porque ela era a rezadeira mais respeitada dali. As orações de qualquer um dos aldeões daquele lugar distante de tudo, não alcançavam nunca a eficácia das de Minda.
 Chegando ao portão de madeira com tramela, da frente da casa de Minda, o casal bateu palmas:
-Esshta lá?
-Em que posso ajudar? Disse Minda saindo ao quintal e se aproximando do portão.
-Precisamossh disisshhperadamente de suassh oraçõesssh!
-Vamos entrando por obséquio, disse Minda abrindo o portão.
  Ela pediu que os dois sentassem em bancos que ela mantinha na varanda e já fossem desabafando sua
preocupação.
-Minda, nossa pobre filha Josefa foi abandunada pelu maridu, disse o portugues, contudu, aquele doidivanasshh já foi tarde.  Porém u patifi daixou minha Josefa a esshperar um miúdu, além dos seissshh filhosshh qui tevi com ela. A bãrriga dela cumeça a aparecere e ela já tem seisshh rebentus, oh meu Deussh!
-Minda, disse a portuguesa, precisamossshh de suassh oraçõesshh para que seja uma minina o filho de Josefa ,porque si fore um minino, ele pode se turnare um lobisomen na lua cheia. Veja tú qui nossa filha já
tem seisshh filhos e são seisshh machosshh, seisshh homens e esse que ela esshpera será o sétimo e o sétimo filho homem, e o sétimo filho cun certeza, virará lobisomem!
E o português acrescentou:
-Eu pago oque pediressshh!
-Não, dinheiro eu não aceito, disse Minda, "dai de graça o que de graça recebei", disse o Nazareno e eu procuro imitá-lo, se quiserem me dar algum dinheiro, ajudem aos pobres desse lugar. É como se ajudassem a mim.
-Ajudaremossshh os pobresshh, mar por favor, ores Minda, ores Minda, para que tenhamosshh uma neta e não um neto!
 E Minda orou, orou e orou. E não nasceu um menino, mas uma linda menina. Os avós, ao virem aquela menininha maravilhosa se emocionaram e choraram de alegria. Cumpriram o combinado, começaram a fazer muita caridade naquele lugar. Mas, antes disso, a mãe e os irmãos felizes queriam escolher o nome da pequena, que era muito linda. Muitos nomes foram sugeridos e a casa ficou cheia de alegria. Porém o português quis opinar com mais rasão:
-Si a miuda é frutu de oraçõesssshh, purque não colocar u nome ligado a oração. Mulhere, como foi  que pedimossh para Minda resare por nossa neta?
-Nóssh diziamossh ores minda ores minda para qui nosso neto seja um minina e não um minino. A frase era ores Minda, ores Minda, ores Minda, por nosso neto para que seja uma neta.
-Está resovido, ela se chamará Oresminda que será a oração de Minda maisshh aprópriadu ao nome dela.
 Josefa gostou, e toda a família começou a fazer caridade para os carentes do lugar, levando junto o  pequeno tesouro: Oresminda.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                

SERAPIÃO

 O motivo pelo qual ele se casara era mais do que outra coisa, para ter um filho. A possibilidade de um pequeno que herdasse a sua cara, o seu jeito, consumia-lhe a imaginação. "Sangue do meu sangue, isso sim é que é titulo de romance". E idealizara sua história assim: Uma boa esposa e um sucessor que desse continuidade à sua saga, ah, ah, ah, que balela, ele queria mesmo era um filho que se tornasse doutor, que acabasse com essa sina de família simples que ele já não aceitava mais; uma família de operários, faxineiros, costureiras, domésticas, chega!  Seu filho não! Ele seria um doutor e para isso nasceria homem, sim, que graça teria uma filha? Ela não perpetuaria o nome dele. Na hora do parto de sua esposa, tudo isso passava por sua cabeça. Todos disseram que ele desmaiaria pois, naquele tempo, era incomum o pai assistir ao nascimento do filho. Mas ele queria ter certeza que seria homem. Teria que ser homem. Ele sequer cogitava sobre outra possibilidade. E se formaria doutor.
 Chegou a hora extrema. Seu filho vinha à luz e a parteira o depositou em suas mãos enquanto apanhava a tesoura esterilizada em água fervente, claro que depois de praticamente ele beijar os pés da parteira pedindo  por favor a ela, que não achava seguro entregar o bebê antes do corte do cordão e da primeira limpeza. As lágrimas romperam quando ele viu aquela carinha minúscula, olhos abertos, pupilas como duas pequeninas jabuticabas, boquinha como um pequenino rubi, fazendo bico para...chorar! Segurou o pequeno para que a
parteira cortasse o cordão e o entregou aso cuidados dela.
 Ele saiu para fazer o registro de nascimento do bebê naquela cidade pequena onde se inaugurara, fazia um mês, o primeiro tabelionato, e olha que lá se iam 30 anos de fundação daquele município. No caminho viu um ipê rosa florido, lindo..."meu filho poderia se chamar Flor, Dr. Flor...não! Isso é nome de menina, iam chamá-lo de florzinha...não! Meu filho vai ser macho, muito macho, macho mesmo!"
 O caminho para o cartório não era tão longe se ele tivesse um cavalo, mas ele se acostumara a andar e andando ia pensando: Que nome dar ao meu filho.
 Um índio- havia uma aldeia ali perto- vinha em sua direção, ele parou o índio e perguntou:
- Por favor, como vocês põe nome nos seus filhos?
- Curumim?
-Isso, curumim.
-Noss tribo da nom curumim igual de pai do pai e cunhatã igual mãe da mãe.
-Nome dos avós? Meu pai se chamava Zózimo e minha sogra, argh..., se chama Ambrosiunta.
-Muito obrigado, disse ele e o índio respondeu ao agradecimento à sua maneira e se foi.
E ele se pôs a pensar:
-Nome de avós, só em outra encarnação. Nome feio no meu filho, não!
Entrou no cartório pensando alto:
-Meu filho será doutor, meu filho será doutor. Mas e se ele for pião?
 O escrivão pediu o nome da criança:
-Senhor, eu não tenho o dia todo. Olha aí, já está formando fila!
 Ele deu um papel ao escrivão com o sobrenome, mas quanto ao prenome, ele queria pensar mais um pouco. E pensava :
-Meu filho será doutor ou será pião, será doutor, ou será pião.
E pensando alto, repetiu:
-Será doutor ou será pião, será doutor ou será pião!
 O escrivão, só entendendo a última expressão, sacramentou o nome na certidão.   
 E então pela impaciência de um escrivão mal humorado e a ideia fixa de um simples pai que queria o melhor para o seu primeiro filho, o registro de nascimento da criança confirmou o nome:
 Serapião Catando Aparas.