Em 1978, saiu a nota de mil cruzeiros. Aquela com a cara do Barão do Rio Branco. Tinha até uma piada num programa humorístico que virou moda na época: quando alguém cobrava uma dívida ou um familiar do dono da casa pedia algum dinheiro, ele respondia puxando a nota do bolso: "Lá vai Barão"!
Imaginem o nível da inflação para que fosse necessária a impressão dessa cédula. A realidade de então é que o pobre não via uma nota dessas tão facilmente, pois o salário mínimo era de Cr$ 1.106,00, ou seja, quem conseguisse ganhar esse valor pois existia quem ganhava bem menos, poderia vê-lo só no dia do pagamento e se não tivesse o azar de ser assaltado, teria que repassa-lo rapidamente ao dono do armazém, acertar as dividas pendentes e deixar algum guardado para o pão de cada dia!
A nossa história começa justamente no mês de janeiro do ano citado.
Naquela tarde veranil a temperatura era ótima. O céu de um azul claro e suave, apresentava-se acima qual aquarela, onde como que um gênio de tamanho descomunal, teria tingido a toques de pincel aqui e ali com leves nuvens, como pequenas ralas tiras de algodão esparsas, sem descuidar de, numa extremidade da tela, acomodar o sol à maneira de esfera amarelo-dourada com nitidez enceguecedora. Num banco de feitio e acabamento artesanal, como que concebido por um Michelangelo da marcenaria, banco esse assentado em primorosa praça de singela cidade, um rapaz espera sua noiva, portando uma margarida à destra. O seu rosto se ilumina ao avistar sua amada que se aproxima, um exemplar de linda moça interiorana, envergando um vestido simples, porém de bom gosto, de corte reto contudo acinturado, salpicado com uma estampa em desenhos de lindas flores em cores primaveris. O rapaz romântico, cavalheirescamente levanta-se e vai ao encontro dela, estendendo-lhe a flor. Ela, em contrapartida, não correspondendo ao belo gesto, vai logo interpelando-o:
-Dondi ocê pegô essa frô? Foi du jardim du nhô Bispo, num foi? Ocê num pódi têm compradu. Cê só anda duro!
-Ô amô, essa fro num si compara a ocê, qui é uma verdadera frô di fromosura, mais é a mió qui eu pudi consigui e asdepois, lá tem muita margarida. Ele num vai da por farta. I si dé, num vai si importá. I qui nome é o dele heim? Bispo parece inté nomi di chefi di padre.
-Mais respeito homi, lembra qui pelo carinho qui ele lhi tem e por ser seu padrinho é qui eli vai pagá nossu casamentu! Afirmou ela irritada.
-Minha fada, num briga cumigu pruque eu andu duru sim, mais é pra cuida da vida di nóis dois. Respondeu ele contrafeito.
-Tá bão, tá bão, me adiscurpa mais é qui as coisa mudaru, disse ela transbordando amargura. Eu fui nu dortô Epaminondas i na saída, incontrei u muleque Faustino cum a charrete. Pidi intão, já qui eli ia passá na rua di sua casa, pra mandá ocê incontrá eu aqui, já qui é u lugar mais perto do consultóru e tamém da sua casa. Ná vorta,ví cumadi Terência qui tava dibruçada na mureta da casa dela, i ela mi chamô pra um café. Aceitei e di lá, vim pra cá.
-I pruque qui ocê num foi im casa? Ocê sabi qui nóis adiantemo tudu u serviçu, mais tá atrasada ais intrega dais sementi , pur issu é qui o nhô Bertoldo deu forga prá tudu nóis da fazenda.
-É qui uqui eu tenhu pra falá é muitu particulá. Num quiria falá na sua casa.
-Intão fala u qui ocê conversô com o dortô, qui já tô nervosu. Vamu, tô isperanu, fala!
-Tá isperanu nada, quem tá isperanu sô eu!
-Que qui cê tá falano?
-U qui ocê orviu, ara! Tô isperanu um fio e ai do cê si falá qui num é seu qui eu ti partu a cara na bulacha. Bem qui minha regra tinha atrasado.
- Pra eu, regra só de futebór.
-Qui ingnorança, homi! É.... Vá lá, tamém isso é coisa de muié memo. Sê num tinha qui sabê disso.
-Mais pruquê essa nervura toda morzinho, si nóis vai casá sábadu? Disse ele tentando minimizar a situação.
-É qui eu num quiria casá di barriga, inda mais cum tudu mundu sabeno! E desatou a chorar convulsivamente.
-I quem vai sabê cê ocê num contá, linda. Óia qui é mais fácir o padre contá nossais confissão, du que o dortô contá. Eli é um homi muitu inducadu i num vai contá nem qui ocê quêra, agora si ocê contô pra cumadi Terência, inté prus difuntu du cemitéru ela vai contá.
-Dêxa de blasfêma homi, num contei pra cumadi ninhuma, ara. I só aceitei u café, pruque mi alevantei injuada i num consigui come nada quando saí. Só num vumitei pruque tamém num consigui jantá onti. Quandu sai do dortô, mi deu uma fomi tão infiliz qui pensei qui ia dismaiá. Fois por Deus qui a cumadi mi chamô pra mi alimentá.
-Eu vô vê si hoji memo passo na cumadi pra agradecê di ela tê tratado bem a minha frô, disse ele passando as mãos com carinho no rosto dela, mais mi diz, ocê num tá si preocupanu sem nicissidade? Sí já tá cunsumadu memo i nóis já vai casá! Qual é u probrema, minha deusa?
-É qui eu tô cum muita vregonha. E chorou mais ainda.
-Ai qui só mi fartava essa! Num tivemu vregonha di fazê i agora ocê tá cum vregonha di tá isperano um fio? É craro qui cum minha ajuda né? I queru lembrá qui ocê gostô bastanti di sê ajudada. Disse ele rindo.
-Pára di brincá cum coisa séria, disse ela desferindo tapas para cima dele, Ocê num intendeu? Eu tô grávida?
-Para de mi batê, disse ele imobilizando-a com carinho, i pensa bem. Tem tanto casar quereno um fio i ocê já tá fazenu um pra nóis i comu eu já disse, cum a minha colaboração, disse ele com amor.
-Só ocê memo pra mi acarmá. Mi adiscurpa di novo. Sô uma tonta memo, disse ela enxugando o rosto na camisa dele.
-Si ocê é tonta, é pruque a minha tontera di amor passô pro cê. Ti amu minha maraviliosa. Proferiu ele essa última palavra com toda ênfase de seus sentimentos, envolvendo-a em seus braços.
E o sábado chegou, e eles se casaram, e nove meses se passaram, e nasceu um lindo menino. Foi aí que a disputa pela escolha do nome ficou acirrada. Ela queria por Terêncio em homenagem à sua comadre, ele queria colocar Epaminondas, porque seu filho seria doutor, então teria que ter nome de doutor.
-Cê tá quereno indoidá ingual o seu amigo, pai do Serapião? Retrucou ela já sem calma. Para di mania homi, si ele tivé qui se dortô, vai sê, i num é um nomi qui vai mudá isso.
-I ocê qui qué por u nomi daquela fofoquêra da cumadi Terência, hein? Respondeu ele.
-Mais respeitu homi, qui ela já ajudô muito a genti! Devolveu ela fulminando-o com os olhos.
-Ta bão, disse ele, intão vai sê assim: Eu i todus trabaiadô da fazenda tamu sem recebê, pruque o nhô Bertoldo num consiguiu preçu pra safra. Si eu consigui u milagre de acertá nossus fiadu i ainda sobrá denheru pra tira u registru du nossu fio, u nomi que eu falá na hora vai sê u nomi deli.
-Ara. Aí eu tô di acordo pruque isso nunca qui vai di acontecê. Respondeu ela com uma gargalhada irônica.
Entretanto, ele tinha tanta fé no que disse, que fez com que ela arrumasse o bebê e se arrumasse porque eles iam ao cartório registrar a criança, mesmo ele não possuindo uma única moeda nos bolsos vazios, antagonizando com a sua cabeça cheia de sonhos .
A caminho do cartório, algo realmente aconteceu que mudaria aquela situação. Um vento forte trouxe uma tira de papel e a fixou no tronco de uma árvore da praça. Ele logo viu o que era e gritou tresloucadamente:
-Alá! Alá! Alá de mir, alá de mir.
-Alá uquê homi, ta falano arabí? Alá, Ali Babá? Falou ela envergonhada com a cena no meio da rua.
-Alí Babá nada. Alá, olha lá! Alá de mir, alá de mir, de mir crozero! Retrucou ele sem se importar com a vergonha dela. Ela então, fixou o olhar para onde ele apontava, mas outra rajada de vento que mudou de direção, soprou poeira aos olhos dela que, segurando o bebê com a mão direita, usou a esquerda tentando tirar a terra das vistas. Essa mesma segunda rajada, fez com que a tira de papel se soltasse da árvore e viesse praticamente colar-se ao peito do pé dele, mostrando claramente o desenho do Barão do Rio Branco. Ele abaixou-se com cuidado para que o papel não lhe escapasse, apanhou-o com a destra, esticou-o com as duas mãos, olhou bem para ele e então teve certeza. Era uma cédula genuína de mil cruzeiros.
-Brigado Pai do Céu, brigado Jesuis, eu tinha fé que oceis num ia mi fartá! Exclamou levantando a nota para o céu.
A família então seguiu para o cartório, a esposa acompanhou o marido boquiaberta, sem conseguir dizer palavra, enquanto que um incidente a um quilômetro dali com o malote que levava os salários atrasados dos funcionários da fazenda, deixara escapar, minutos antes da surpreendente alegria daquele pai, uma cédula de mil cruzeiros, sugerindo um nome que o primogênito do casal carregaria em sua certidão para sempre: Alademir.
Naquela tarde veranil a temperatura era ótima. O céu de um azul claro e suave, apresentava-se acima qual aquarela, onde como que um gênio de tamanho descomunal, teria tingido a toques de pincel aqui e ali com leves nuvens, como pequenas ralas tiras de algodão esparsas, sem descuidar de, numa extremidade da tela, acomodar o sol à maneira de esfera amarelo-dourada com nitidez enceguecedora. Num banco de feitio e acabamento artesanal, como que concebido por um Michelangelo da marcenaria, banco esse assentado em primorosa praça de singela cidade, um rapaz espera sua noiva, portando uma margarida à destra. O seu rosto se ilumina ao avistar sua amada que se aproxima, um exemplar de linda moça interiorana, envergando um vestido simples, porém de bom gosto, de corte reto contudo acinturado, salpicado com uma estampa em desenhos de lindas flores em cores primaveris. O rapaz romântico, cavalheirescamente levanta-se e vai ao encontro dela, estendendo-lhe a flor. Ela, em contrapartida, não correspondendo ao belo gesto, vai logo interpelando-o:
-Dondi ocê pegô essa frô? Foi du jardim du nhô Bispo, num foi? Ocê num pódi têm compradu. Cê só anda duro!
-Ô amô, essa fro num si compara a ocê, qui é uma verdadera frô di fromosura, mais é a mió qui eu pudi consigui e asdepois, lá tem muita margarida. Ele num vai da por farta. I si dé, num vai si importá. I qui nome é o dele heim? Bispo parece inté nomi di chefi di padre.
-Mais respeito homi, lembra qui pelo carinho qui ele lhi tem e por ser seu padrinho é qui eli vai pagá nossu casamentu! Afirmou ela irritada.
-Minha fada, num briga cumigu pruque eu andu duru sim, mais é pra cuida da vida di nóis dois. Respondeu ele contrafeito.
-Tá bão, tá bão, me adiscurpa mais é qui as coisa mudaru, disse ela transbordando amargura. Eu fui nu dortô Epaminondas i na saída, incontrei u muleque Faustino cum a charrete. Pidi intão, já qui eli ia passá na rua di sua casa, pra mandá ocê incontrá eu aqui, já qui é u lugar mais perto do consultóru e tamém da sua casa. Ná vorta,ví cumadi Terência qui tava dibruçada na mureta da casa dela, i ela mi chamô pra um café. Aceitei e di lá, vim pra cá.
-I pruque qui ocê num foi im casa? Ocê sabi qui nóis adiantemo tudu u serviçu, mais tá atrasada ais intrega dais sementi , pur issu é qui o nhô Bertoldo deu forga prá tudu nóis da fazenda.
-É qui uqui eu tenhu pra falá é muitu particulá. Num quiria falá na sua casa.
-Intão fala u qui ocê conversô com o dortô, qui já tô nervosu. Vamu, tô isperanu, fala!
-Tá isperanu nada, quem tá isperanu sô eu!
-Que qui cê tá falano?
-U qui ocê orviu, ara! Tô isperanu um fio e ai do cê si falá qui num é seu qui eu ti partu a cara na bulacha. Bem qui minha regra tinha atrasado.
- Pra eu, regra só de futebór.
-Qui ingnorança, homi! É.... Vá lá, tamém isso é coisa de muié memo. Sê num tinha qui sabê disso.
-Mais pruquê essa nervura toda morzinho, si nóis vai casá sábadu? Disse ele tentando minimizar a situação.
-É qui eu num quiria casá di barriga, inda mais cum tudu mundu sabeno! E desatou a chorar convulsivamente.
-I quem vai sabê cê ocê num contá, linda. Óia qui é mais fácir o padre contá nossais confissão, du que o dortô contá. Eli é um homi muitu inducadu i num vai contá nem qui ocê quêra, agora si ocê contô pra cumadi Terência, inté prus difuntu du cemitéru ela vai contá.
-Dêxa de blasfêma homi, num contei pra cumadi ninhuma, ara. I só aceitei u café, pruque mi alevantei injuada i num consigui come nada quando saí. Só num vumitei pruque tamém num consigui jantá onti. Quandu sai do dortô, mi deu uma fomi tão infiliz qui pensei qui ia dismaiá. Fois por Deus qui a cumadi mi chamô pra mi alimentá.
-Eu vô vê si hoji memo passo na cumadi pra agradecê di ela tê tratado bem a minha frô, disse ele passando as mãos com carinho no rosto dela, mais mi diz, ocê num tá si preocupanu sem nicissidade? Sí já tá cunsumadu memo i nóis já vai casá! Qual é u probrema, minha deusa?
-É qui eu tô cum muita vregonha. E chorou mais ainda.
-Ai qui só mi fartava essa! Num tivemu vregonha di fazê i agora ocê tá cum vregonha di tá isperano um fio? É craro qui cum minha ajuda né? I queru lembrá qui ocê gostô bastanti di sê ajudada. Disse ele rindo.
-Pára di brincá cum coisa séria, disse ela desferindo tapas para cima dele, Ocê num intendeu? Eu tô grávida?
-Para de mi batê, disse ele imobilizando-a com carinho, i pensa bem. Tem tanto casar quereno um fio i ocê já tá fazenu um pra nóis i comu eu já disse, cum a minha colaboração, disse ele com amor.
-Só ocê memo pra mi acarmá. Mi adiscurpa di novo. Sô uma tonta memo, disse ela enxugando o rosto na camisa dele.
-Si ocê é tonta, é pruque a minha tontera di amor passô pro cê. Ti amu minha maraviliosa. Proferiu ele essa última palavra com toda ênfase de seus sentimentos, envolvendo-a em seus braços.
E o sábado chegou, e eles se casaram, e nove meses se passaram, e nasceu um lindo menino. Foi aí que a disputa pela escolha do nome ficou acirrada. Ela queria por Terêncio em homenagem à sua comadre, ele queria colocar Epaminondas, porque seu filho seria doutor, então teria que ter nome de doutor.
-Cê tá quereno indoidá ingual o seu amigo, pai do Serapião? Retrucou ela já sem calma. Para di mania homi, si ele tivé qui se dortô, vai sê, i num é um nomi qui vai mudá isso.
-I ocê qui qué por u nomi daquela fofoquêra da cumadi Terência, hein? Respondeu ele.
-Mais respeitu homi, qui ela já ajudô muito a genti! Devolveu ela fulminando-o com os olhos.
-Ta bão, disse ele, intão vai sê assim: Eu i todus trabaiadô da fazenda tamu sem recebê, pruque o nhô Bertoldo num consiguiu preçu pra safra. Si eu consigui u milagre de acertá nossus fiadu i ainda sobrá denheru pra tira u registru du nossu fio, u nomi que eu falá na hora vai sê u nomi deli.
-Ara. Aí eu tô di acordo pruque isso nunca qui vai di acontecê. Respondeu ela com uma gargalhada irônica.
Entretanto, ele tinha tanta fé no que disse, que fez com que ela arrumasse o bebê e se arrumasse porque eles iam ao cartório registrar a criança, mesmo ele não possuindo uma única moeda nos bolsos vazios, antagonizando com a sua cabeça cheia de sonhos .
A caminho do cartório, algo realmente aconteceu que mudaria aquela situação. Um vento forte trouxe uma tira de papel e a fixou no tronco de uma árvore da praça. Ele logo viu o que era e gritou tresloucadamente:
-Alá! Alá! Alá de mir, alá de mir.
-Alá uquê homi, ta falano arabí? Alá, Ali Babá? Falou ela envergonhada com a cena no meio da rua.
-Alí Babá nada. Alá, olha lá! Alá de mir, alá de mir, de mir crozero! Retrucou ele sem se importar com a vergonha dela. Ela então, fixou o olhar para onde ele apontava, mas outra rajada de vento que mudou de direção, soprou poeira aos olhos dela que, segurando o bebê com a mão direita, usou a esquerda tentando tirar a terra das vistas. Essa mesma segunda rajada, fez com que a tira de papel se soltasse da árvore e viesse praticamente colar-se ao peito do pé dele, mostrando claramente o desenho do Barão do Rio Branco. Ele abaixou-se com cuidado para que o papel não lhe escapasse, apanhou-o com a destra, esticou-o com as duas mãos, olhou bem para ele e então teve certeza. Era uma cédula genuína de mil cruzeiros.
-Brigado Pai do Céu, brigado Jesuis, eu tinha fé que oceis num ia mi fartá! Exclamou levantando a nota para o céu.
A família então seguiu para o cartório, a esposa acompanhou o marido boquiaberta, sem conseguir dizer palavra, enquanto que um incidente a um quilômetro dali com o malote que levava os salários atrasados dos funcionários da fazenda, deixara escapar, minutos antes da surpreendente alegria daquele pai, uma cédula de mil cruzeiros, sugerindo um nome que o primogênito do casal carregaria em sua certidão para sempre: Alademir.