O relógio da enfermaria marcava 06h00, o pai aguardava a declaração de nascido vivo de sua bebê, sua RN. Se incomodava com esse título. RN da mãe? Que coisa estranha! Já pensou se esse fosse o nome dela? Senhorita RN...Dra. RN... Senhora RN... RN o que? Raimunda Nonata?
- Não pai, é recém nascida. RN quer dizer recém nascida, dizia a enfermeira enquanto procurava a declaração. O senhor já escolheu o nome da criança?
Ele não tinha escolhido. Nem ele nem a mãe da menina haviam se quer tido qualquer ideia sobre como chamá-la. Situação incomum para o primeiro filho. Talvez compreensível pelo fato de ter sido uma gravidez não planejada. Fim de balada, muitos beijos, cevas e caiporas na cabeça e umas horinhas dentro do carro foram suficientes. Também, ela tinha que ser tão fértil?
Uma faxineira vinha pelo corredor com seus apetrechos:
- Moço, posso dar uma opinião?
- Aceito qualquer uma.
- Aceito qualquer uma.
- Põe o nome do pastor da minha igreja?
- Qual o nome dele?
- F.F. Zuado.
- Que tipo de pessoa usa um nome com iniciais? Imagino que o nome seja muito feio, tipo Fesmelésio Fesbostaldo Zuado.
- Que pecado moço, ele é um homem santo. Eu fui dar meu testemunho e ele me deixou no púlpito um pouco mais para ver os milagres. Então ele disse para uma fiel la embaixo:
- Diz seu milagre irmã!
- Ah... pastor, eu tava com um caroço na goela, o senhor orou, o caroço sumiu.
- Amém irmã, e você outra aí.
- Pastor, eu tinha espinhela caída, o senhor orou e a espinhela levantou! Daí um irmão baixinho e bigodudo, de terno verde, parecido com aquele angolano do programa Zorra Total, pulava, pulava levantando a mão. Os irmãos em volta dele se afastavam tapando o nariz e fazendo careta.
- Pastor, pastor, olha eu aqui, olha eu aqui!
- Fala irmão.
- Eu estava com o intestino preso, o senhor orou e...
- Não fala mais nada, não fala mais nada!
Então o pastor me puxou pelo braço e falou em voz baixa:
- Chama a turma da limpeza, rápido!
- É interessante a sua história mas mesmo que eu quisesse, é uma menina. Só se eu colocasse Falencia Forçada Zuado mas a mãe dela iria me matar.
- Desculpa e pensei que fosse menino.
O pai pegou os papeis que a enfermeira entregou e saiu em direção ao cartório.
O pai pegou os papeis que a enfermeira entregou e saiu em direção ao cartório.
Um prédio próximo trazia na fachada o anúncio:
"Hoje, concurso de Miss Imigrante Boliviana". Desse prédio sai uma linda moça, com vestido de gala.
No pensamento dessa moça, uma ideia fixa:
- Tengo que ser miss, tengo que ser miss. No puedo perder. Tengo que ser miss de todos modos! Solo un hombre puede decir si me me lo ves igual miss o no.
A moça sentou-se à uma mesa de lanchonete e pediu água. O pai, antes de ir ao cartório, sentou-se em outra mesa da mesma lanchonete e pediu lanche e suco. Precisava se alimentar e pensar em qual nome escolher para a filha. A moça levantou-se olhou em torno, só mulheres lanchando. O único homem ali era o pai. Então ela se dirigiu até ele e o abordou num tom quase que de cobrança:
- Hey, usted-e com ambas as mãos, percorria seu corpo num gesto de quem se põe em evidencia-mira una miss!
- Como? Dizia o pai. Não estou te entendendo.
E a moça pensou:"brasileños nunca dicen usted pero dicen você o simplemente cê e no una pero dicen a", e disse:
- Hei, cê mira a miss!
O pai pensava... que moça linda, e perguntou:
Qual o seu nome? E a moça se impondo na tentativa de loucamente ser vista como miss por um homem,
repetia gesticulando na mesma maneira de evidenciar sua aparência, vestuário e postura:
- Cê mira a miss!
E o pai perguntava:
- Como é seu nome? E ela:
- Cê mira a miss!
- Obrigado menina linda, você salvou o meu dia. E saiu correndo para o cartório deixando a moça frustrada.
E a nova filha do casal, graças à impetuosidade ou à loucura da moça boliviana, levaria em sua certidão e para toda a sua vida o nome de Semiramis.