quinta-feira, 1 de maio de 2014

ORIPIAS

 -Ma questo non è il Brasile, dobbiamo dimenticare la nostra vita in Sicilia! Com essa afirmação, exclamada em tom colérico o" Nostro Padre", tratamento de respeito e temor dispensado ao chefe daquela família siciliana, queria deixar bem claro sua disposição e sua imposição de que ele e todos os seus esquecessem a vida deixada na grande ilha, situada bem à frente do bico da bota da península itálica e abraçassem aqui como "la nostra terra poi"; uma vez que comentar a vida que lá ficou seria temeroso, posto que "nemici compaiono dappertutto" ou melhor expressando em outra forma : "cuidado, podemos ter sido seguidos"!... Tendo recebido de maneira ilícita os documentos e passaportes para ele e os demais, escapando com os mesmos num voo às pressas por sobre o oceano atlântico, decidira e naquele clã sua decisão era lei, radicar-se na ex-Terra de Santa Cruz.
 A história daquela família era regada a muito vinho, macarronada festas nababescas, viagens e todo o objeto do desejo dos sonhos mais fúteis que os euros sujos podiam pagar. Nostro Padre herdara de seu tio, que herdara de seu irmão mais velho e assim, numa sucessão hereditária do poder paralelo, o comando do crime organizado de uma região importante da Sicília. Com o aperto policial para o qual a propina já não era suficiente; as autoridades queriam ao menos a cabeça de alguém para justificarem as investigações,ou no mínimo a aparência das mesmas, enquanto o acordo mórbido entre o crime de farda e o crime de black tie se beneficiassem sordidamente; aquele grupo de parentes tivera que abandonar o lar além mar às pressas, antes que o cerco se fechasse inapelavelmente. Mormente ele haver alcançado a façanha de trazer os componentes mais próximos de sua casta ou seja a sua esposa, o seu pai, a mãe da esposa, o filho, a filha, o irmão e a cunhada  num total de cinco parentes daquela genealogia, conseguira aqui na "Pátria do Cruzeiro", se esconder, tendo juntado numa mala uma quantidade de euros suficiente para refazer a vida onde quer que fosse e em grande estilo. Sendo mais numerosa, outra parte daquela etnia escapara para o extremo norte da terra de Dante Alighieri, outros para a Espanha, Inglaterra e França, prometendo juntarem-se novamente quando os seus crimes caíssem no esquecimento.
 A estrada era longa e tortuosa mas conseguiram chegar enfim à uma residência de construção antiga em que morariam com os nomes trocados, na clandestinidade pois como já se sabia, além do governo italiano estar à caça deles, inimigos, rivais impiedosos do crime também queriam-lhes as cabeças, rivais esses, animados por vinditas de morte, alimentados pelo ódio oriundo do extermínio entre entes familiares, nos embates disputados em campos dos negócios fora da lei. A casa, uma antiga residência de um barão do café, era uma verdadeira mansão com vinte quartos. Em se aproximando da frente da casa o filho do "poderoso chefão", ao olhar a entrada exclamou:
 -Questo casa mi gela!
 -Irmão, eu agora só falo em português. Ou você esqueceu do que aprendeu no nosso intercâmbio?    Nostro Padre exige que esqueçamos il nostra lingua e falemos só o idioma daqui disse a filha do chefe.
 -Cê ta falannndo italiáááno taméém, attenzione,disse o irmão, e Nostro Padre non fala dereito anche!
 -Quieto que ele ta perto... disse a moça, eu errei, não é nada fácil, então imagina pra ele que não estudou como nós? Ele ta se esforçando mas é difícil. Nós é que temos obrigação pelo que ele pagou! Attenzione, vou te ajudar, não é questo casa mi gela é esta casa me arrepia.
 -Vá bene ou tá bom é me oripias, disse ele.
 -Donde você tirou esse S?
 -Non sei, lembrei que muito nome braziliano que tem S. Disse ele, no que ela retrucou:
 -A palavra ta errada, não é oripias é arrepia!
 O pai interrompeu a discussão, exigindo que eles praticassem com ele e com todos a língua do novo país. Mesmo assim, o filho pensava "mi gela", falava arrepia mas de sua boca saia oripias e ele nem sabe como tinha cismado com esse S no final da palavra.
  De fato a mansão era de arrepiar e para ajudar, o dia estava nublado, cumulusnimbus tornavam o horizonte negro e de mau presságio. Entraram na casa e estava tudo como combinado: casa limpa, cortinas e roupas novas, vasos de flores viçosas, tudo a contento. O rapaz repetiu: -pensar em passá noite qüi mi oripias!
 -Parla correto, êh? Disse o pai. O rapaz pensou em retrucar, alegando que ele sabia menos que eles o português, como iria cobrar que falassem direito? A irmã, conhecendo o irmão como ninguém, interrompeu:
 -Quieto...quer que ele dê castigo? Realmente ninguém questionava aquele genitor, mesmo que ele estivesse errado.
 O pai fez questão de que todos saíssem novamente juntos para a imobiliária, a fim de fazer os últimos acertos, pois temia que estivesse longe se os inimigos ferozes se aproximassem, porquanto como se sabe, ele era muito odiado. Com tudo acertado, voltando da imobiliária, foram seguidos por um sedã negro, o motorista dos sicilianos acelerou , o perseguidor emparelhou e sem nem tempo para reação do Nostro Padre, os vidros do carro estranho baixaram e dois canos metálicos surgiram cuspindo projéteis de metralhadoras. A limousine alugada na qual estava a família transformou-se numa verdadeira peneira, o motorista da mesma jogou o automóvel alvejado no enorme rio que ladeava a estrada. Instantes depois a família já estava à beira do lago enquanto o auto em que tinham estado, afundava.
 -Stanno tutti bene?Todos responderam que sim, que estavam todos bem.
 -E o motorista? Gritou a filha.
 -Lasciarlo morire, non fa parte della famiglia.
 -Se não faz parte da família, pode morrer? Disse a filha com lágrimas nos olhos, no que o pai respondeu com olhar feroz e ela se calou.
 O tio olhou para cima do barranco de onde o carro havia caído. Dois homens com metralhadoras em punho mais um terceiro com ares de chefe, como que procuravam por eles, então o tio quase gritou apavoradamente :
-Ora lasciar morire! A moça retrucou ao tio fazendo gestos para que ele se acalmasse:
-Nós não vamos morrer... fala baixo e olhe, eles nos procuram mas não estão nos encontrando. Deve ser essa tarde nebulosa. Todos agacharam enquanto os homens desistiram, entraram no seu carro e partiram.
A família voltou para a mansão a pé, discutindo como fariam para se evadir dali, já que haviam sido descobertos. Na moradia, enquanto os mais velhos decidiam na biblioteca o que fazer, o rapaz percebeu uma estranha presença no salão e foi até lá, nem percebendo que sua irmã o seguia. Um homem no meio do salão meditava e antes de ser interpelado, já saia da casa. O rapaz o seguiu pela rua com sua irmã bem à retaguarda. Numa vivenda ao lado, o homem entrou e o filho de Nostro Padre foi até o portal envidraçado da entrada daquela casa que permitia visualizar tudo lá dentro. O homem então sentou-se num lugar que parecia guardado para ele, fechando um círculo de pessoas que como que meditavam. Ele meditou com elas e logo, todos começaram a fazer o Pai Nosso. Quando terminaram, o rapaz começou a sentir uma espécie de força magnética puxando-o para junto daquelas pessoas e enquanto resistia, ele ouviu de um deles:
-Não resista, aceite sua condição, você precisa de ajuda. Você precisa entender o que realmente aconteceu com você e com todos os seus! Nisso, ele prorrompeu em pranto gritando não, não, não e saiu correndo dali pra junto da família. Encontrando a irmã pelo caminho ela o segurou pelos ombros e disse:
-Calma irmão, depois que os assassinos se foram sem nos ver, eu entendi que não era nenhum nevoeiro que nos escondeu. Os nossos corpos e os de nossa família afundaram naquela limousine junto com o motorista.
-Questo è pazzo, siamo vivi, vediamo! Disse o rapaz apavorado, no que a irmã respondeu:
-Não é loucura e estamos vivos sim, esta é a verdadeira vida, a vida em espírito, somos almas imortais. Você não quis, durante nosso intercâmbio, frequentar aquela casa espírita onde eu ia senão teria aprendido. Olhe para você irmão, não se sente diferente? Realmente ele se sentia diferente e também fora confusa a maneira como haviam saído do carro tão rápido e sem ferimentos. O irmão gritou:
-Nossa famíglia! Ele saiu correndo em direção à mansão e a irmã o seguia. O rapaz já misturava língua italiana com língua portuguesa, estava completamente desnorteado. Quando entraram em casa, seus pais, seu avós e seus tios se debatiam contra seres obscuros que os arrastavam, o rapaz investiu contra eles mas a menina o impediu:
-Não adianta irmão, os nossos não estão na nossa mesma sintonia portanto o arrastamento inferior será inevitável! Confiemos em Jesus e na Providência Divina!
 Uma força que ele não compreendia o levou a ele e a sua irmã até aquela casa onde aquele grupo de pessoas oravam:
-Sede bem vindos irmãos, disse o homem que antes entrara na mansão, já não era sem tempo, eu estive em sua última moradia, orei muito mas as dívidas de consciência do restante de sua família eram tão grandes que por agora, só podemos pedir ao Cristo por eles e esperar que o sofrimento traga o arrependimento para poderem ser resgatados. Por ora estão entregues a antigos inimigos. A Lei é assim: quem deve, paga. Ninguém zomba das diretrizes divinas. Mas vocês estão prontos. Um torpor os envolverá e vocês irão para uma belíssima colônia de tratamento. Depois de fortalecidos, poderão aprender a ajudá-los. O rapaz foi atraído para um dos participantes daquela assembleia, e através da boca desse, iniciou uma comunicação  em italiano no que o dirigente do grupo disse:
 -A linguagem do espírito é o pensamento. Projete as tuas questões e o médium nos transmitirá em português, uma vez que ninguém aqui fala italiano. O médium, então transmitiu, aquilo que o espírito do rapaz projetava:
  -Porque eu não fui arrastado como os meus parentes?
  -Lembre-se: algumas vezes você acompanhou sua irmã em tarefas beneméritas e os espíritos iluminados, protetores de quem você ajudou, mesmo que você não consiga vê-los, estão aqui, patrocinando a tua proteção e atendimento. O acesso à paz na espiritualidade quando perdemos o corpo físico, esta inteiramente ligado ao que trazemos no coração. Se nossa bagagem é o amor incondicional, receberemos o amor daqueles que chegaram ao mundo espiritual antes de nós e também os pensamentos de gratidão daqueles que continuam na terra. Agora, se o que trazemos no íntimo é a revolta, a mágoa, a incompreensão, encontraremos nossos iguais em paisagens desoladoras de tenebroso desespero.
 -Como foi tão rápido isso tudo? Nós morremos, saímos daquele carro, de dentro do rio e nem sabíamos que tínhamos morrido? Disse o espírito do sicilianinho.
 -Em primeiro lugar ninguém morre, respondeu o doutrinador, somos espíritos vestidos de um corpo de carne para finalidades de evolução e em segundo lugar, o tempo e o espaço do espírito é relativo e nenhum desencarne é igual ao outro. A chacina que dizimou os corpos de você e de sua família foi amplamente noticiado, principalmente pelo sensacionalismo. Não só vocês foram caçados, todos os seus parentes, mesmo aqueles que fugiram pela Europa, foram encontrados e tiveram seus corpos eliminados. A escalada de ódio só encontra limite no perdão. E além de tudo, entre aquele crime do qual vocês foram vítimas, e o dia de hoje já se passou um ano. Só estamos aqui em socorro aos proprietários daquela mansão porque desde que vocês foram para lá eles não conseguem nem alugá-la nem vendê-la para mais ninguém. Vocês agiam como assombrações daquela casa. Só para terminar, mesmo que o motorista tenha vivido com vocês apenas o momento de uma viagem de automóvel, ele tinha ligações pretéritas com todos e precisava daquele gênero de morte para corrigir um crime hediondo de outra vida, onde ele afogava pessoas. Esse motorista foi resgatado automaticamente e também está patrocinando o resgate de vocês por que ele tem muita luz. Por vezes, espíritos luminares animam corpos das pessoas mais simples e inexpressivas ante os quadros sociais e efêmeros da terra, para poderem aparar arestas que incomodam voos mais altos no seu quadro evolutivo. Ele e outros espíritos protetores têm tentado esse ano todo protegê-los daqueles espectros sombrios que levaram sua família mas enfim, tiveram que permitir que aquilo acontecesse por não conseguirem dos seus parentes, em todo esse tempo, uma prece, um pensamento em Deus, um esquecimento da mágoa, um resquício de arrependimento. A mansão em que estavam, por esse período, funcionou como zona de proteção, até que os apelos daqueles inimigos tiveram que ser aceitos, porquanto seus afins não conseguiram força que os advogasse por não se encontrar neles um eco que os auxilia-se ao bem, uma vez que os seus pensamentos enfermiços criaram campos magnéticos de sombras intransponíveis. A cada qual segundo suas obras, tal é a lei!
 -Irmã, disse o espírito do rapaz através do médium, você sabia disso?
 -Sim irmão, disse a sicilianinha; no que os que não tinham vidência ali, só entendiam a comunicação pelo  médium. Não acompanhavam a resposta da irmã.
 Aquele espírito feminino então narrou que foi orientada pelos bons espíritos, por um período relativamente longo em que todos estiveram na mansão. Ia e voltava da espiritualidade para com calma, ir preparando principalmente o espírito do irmão, evitando assim um choque que seria muito prejudicial.

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 A garota encontrara ali  na colônia espiritual, o primeiro namorado que havia desencarnado anos antes acometido de meningite meningocócica. Eles nunca haviam se esquecido, tanto que ela não namorara mais ninguém. Logo pediram aos ministros da colônia para retornarem a terra numa nova vida. O pedido foi concedido e eles, em pouco tempo, retornaram ao globo terrestre em novas famílias, em novos corpos, com o plano traçado de se encontrarem na maturidade e casarem-se. O irmão dela ficaria mais tempo na colônia para retornar como o filho primogênito daquela que antes sua irmã, doravante seria sua mãe. Todo o restante da família, sendo resgatado das trevas aos poucos, comporiam o clã como filhos numa grande prole e esses futuros filhos, seriam também ajudados por outros espíritos de luz que encarnariam e se tornariam órfãos, para serem adotados por aquele casal amoroso, compondo então o: "Casarão do Amor", obra assistencial planejada na colônia e que aconteceria pelas mãos daquele par de luz e pela colaboração de amigos encarnados e desencarnados.
 O sicilianinho, ao reencarnar, tinha na memória uma expressão que ficou gravada em uma palavra, de maneira que visitando sua futura mãe em sonho, a soprou. Ela memorizou aquela expressão e mesmo sem lembrar porque, batizou seu primeiro filho com um nome curioso: Oripias.

Expressões em italiano colhidas do Google Tradutor.

terça-feira, 18 de março de 2014

OIRGIA

 Com Amanda não havia meio termo. Tudo tinha que ser como ela queria. Autoritária, mandona ( seu nome já dizia tudo) a soberana do seu clã. É que o fato de ela ter raciocínio rápido, ser ambidestra, ter uma visão privilegiada ou seja, com um alcance visual frontal e periférico melhor que os demais; tinha 60 anos e enxergava melhor que um jovem de visão perfeita; tudo isso havia feito dela uma espécie de cultuadora de si mesma. É que além de todos esses atributos, sua beleza física era invejável, porquanto sua inteligência acima da média era aproveitada por ela em muitos sentidos, inclusive no cuidado com a saúde e a plástica de sua pele na qual ela aplicava produtos salutares oriundos de suas pesquisas, haja visto que era química, com phd em cosmética.  Apesar do excelente cuidado com a higiene corporal e bucal(até aquela idade não tinha uma cárie) com dentes perfeitos e alvos como o marfim, da boca bem delineada e carnuda, dos olhos ligeiramente puxados sugerindo o resultado de uma linda miscigenação, a voz aveludada embora austera, o nariz arrebitado e bem feito, ela era sozinha. Não é que não gostasse de homens mas nenhum a aguentava por muito tempo. Sua mãe, seu pai, sua irmã e sobrinhos, pois o cunhado de Amanda e pai deles também não a suportava e embora pagasse a pensão das crianças religiosamente, só via os filhos com a permissão dela. É claro que um pai, dentro da lei, consegue tranquilamente o direito de ver a sua prole, mas como ele era de boa paz e ela era muito ardilosa, o genitor dos sobrinhos de Amanda frequentemente era surpreendido por um subterfúgio, uma estratégia para bular esse direito. Mas a vida não é assim como novela mexicana na qual o vilão é essencialmente cruel sem nenhum resquício de bondade, e o herói é tão bom, que abraça o bandido enquanto este tenta matá-lo, ela não era de toda má. Tinha lá seus lampejos de bondade aqui e ali. Nas questões conforto, acompanhamento médico, instrução, laser, boa alimentação e outros requisitos e dessa maneira, os cuidados com a família eram levados muita a sério por ela.
 Amanda trabalhava em casa e com a facilidade da internet e outros tantos recursos que o dinheiro com conhecimento consegue utilizar, construíra um pequeno império. Aquela vivenda, uma verdadeira mansão que tinha espaço para tudo, inclusive para o seu laboratório particular, ela, que era detalhista e cuidadosa e conduzia seu negócio com todo o cuidado, pagava seus funcionários com melhores salários que os de outros laboratórios mas era exigente ao máximo. Se algum erro fosse detectado, cabeças rolavam literalmente pois ela não admita desculpas, demitia sumariamente.Se ele questionasse seus direitos, ela mandava procurá-los. Preferia perder contendas judiciais do que admitir um incompetente em sua empresa.
- Menino 507: checaste a entrega da matéria prima? O tratamento dela com os subalternos era impessoal, os tratava por números, não admitia intimidades.
- Sim senhora!(Ela não aceitava outro tratamento. Se portava como um general de saias).
- Vou averiguar pessoalmente...
- Menina 425: calculaste a proporção das essências?
- Bem senhora, cada essência...
- Perguntei uma coisa, não me responda duas! Ainda não aprendeu que só me respondem o que pergunto?Se houver naquelas proporções algum erro, antes mesmo que consigas emitir duas sílabas: per-dão, já estará na rua! Acene com a cabeça se entendeu. E era assim, uma dama linha dura, tal qual a Miranda de " O diabo veste Prada".
 Naquele dia, o fornecimento de glicerina chegara pontualmente às 14:00. Bem no horário combinado e se fosse de outra maneira, se atrasa-se um minuto, ela mandava voltar. O motorista nem descera do caminhão, já conhecia a peça, ou seja, aquela "rainha de copas". O carregador, tremendo, não podia perder aquele emprego de jeito nenhum! Sua esposa estava para dar a luz e desempregado, o senhorio não teria piedade, o despejaria. O pobre homem já tinha sido informado sobre a fama da "Bruxamanda", apelido que ela nem sonhava conhecer, porquanto em ela pagando os fornecedores à vista, nunca faturava os produtos, as empresas preferiam demitir qualquer funcionário que ela indicasse a perdê-la como cliente, pois se não fizessem o que ela queria, o rompimento do contrato era iminente. Pois bem, o carregador depositou o produto com o maior cuidado e com o rabo dos olhos, nem ousando encará-la frontalmente, atentava para cada movimento, cada palavra emitida por ela, rezando para que ele não fizesse nada que ela reprovasse e concentrando a atenção a qualquer palavra, qualquer fonema que ele acataria como ordem inquestionável. Foi quando o "Senhor 89" disse, até para fazer média com a patroa, quase se dando muito mal: -Que bom! com essa glicerina, daqui a pouco, poderei dar início à primeira fase da manipulação! No que Amanda retrucou:
 -Daqui a pouco? Poderei? Na minha empresa o daqui a pouco é agora e o poderei não existe, é pode ou ruuuaaa! Entendeu senhor 89? Por isso eu digo e repito: Não tem nada inteligente pra dizer? Calado, calada, calados, entenderam? Ou falem quando eu perguntar e só, quando eu perguntar mas por favor, eu quero repostas certas. Pago muito bem a todos para isso. Óóóó - e quando ela dizia óóó, todos ficavam com as orelhas em pé e de olhos pregados nela) daqui a pouco não! Óóóó ir já, imediatamente dar início à manipulação! Nesse mesmo instante, o carregador assustado e atento registrou ou melhor, gravou com tanta intensidade a expressão de Amanda "óóó ir já", que dias depois, indo registrar o nome de sua filha que acabara de nascer, quase que involuntariamente, mandou colocar no documento de sua primogênita um diferente nome: Oirgia.