terça-feira, 18 de março de 2014

OIRGIA

 Com Amanda não havia meio termo. Tudo tinha que ser como ela queria. Autoritária, mandona ( seu nome já dizia tudo) a soberana do seu clã. É que o fato de ela ter raciocínio rápido, ser ambidestra, ter uma visão privilegiada ou seja, com um alcance visual frontal e periférico melhor que os demais; tinha 60 anos e enxergava melhor que um jovem de visão perfeita; tudo isso havia feito dela uma espécie de cultuadora de si mesma. É que além de todos esses atributos, sua beleza física era invejável, porquanto sua inteligência acima da média era aproveitada por ela em muitos sentidos, inclusive no cuidado com a saúde e a plástica de sua pele na qual ela aplicava produtos salutares oriundos de suas pesquisas, haja visto que era química, com phd em cosmética.  Apesar do excelente cuidado com a higiene corporal e bucal(até aquela idade não tinha uma cárie) com dentes perfeitos e alvos como o marfim, da boca bem delineada e carnuda, dos olhos ligeiramente puxados sugerindo o resultado de uma linda miscigenação, a voz aveludada embora austera, o nariz arrebitado e bem feito, ela era sozinha. Não é que não gostasse de homens mas nenhum a aguentava por muito tempo. Sua mãe, seu pai, sua irmã e sobrinhos, pois o cunhado de Amanda e pai deles também não a suportava e embora pagasse a pensão das crianças religiosamente, só via os filhos com a permissão dela. É claro que um pai, dentro da lei, consegue tranquilamente o direito de ver a sua prole, mas como ele era de boa paz e ela era muito ardilosa, o genitor dos sobrinhos de Amanda frequentemente era surpreendido por um subterfúgio, uma estratégia para bular esse direito. Mas a vida não é assim como novela mexicana na qual o vilão é essencialmente cruel sem nenhum resquício de bondade, e o herói é tão bom, que abraça o bandido enquanto este tenta matá-lo, ela não era de toda má. Tinha lá seus lampejos de bondade aqui e ali. Nas questões conforto, acompanhamento médico, instrução, laser, boa alimentação e outros requisitos e dessa maneira, os cuidados com a família eram levados muita a sério por ela.
 Amanda trabalhava em casa e com a facilidade da internet e outros tantos recursos que o dinheiro com conhecimento consegue utilizar, construíra um pequeno império. Aquela vivenda, uma verdadeira mansão que tinha espaço para tudo, inclusive para o seu laboratório particular, ela, que era detalhista e cuidadosa e conduzia seu negócio com todo o cuidado, pagava seus funcionários com melhores salários que os de outros laboratórios mas era exigente ao máximo. Se algum erro fosse detectado, cabeças rolavam literalmente pois ela não admita desculpas, demitia sumariamente.Se ele questionasse seus direitos, ela mandava procurá-los. Preferia perder contendas judiciais do que admitir um incompetente em sua empresa.
- Menino 507: checaste a entrega da matéria prima? O tratamento dela com os subalternos era impessoal, os tratava por números, não admitia intimidades.
- Sim senhora!(Ela não aceitava outro tratamento. Se portava como um general de saias).
- Vou averiguar pessoalmente...
- Menina 425: calculaste a proporção das essências?
- Bem senhora, cada essência...
- Perguntei uma coisa, não me responda duas! Ainda não aprendeu que só me respondem o que pergunto?Se houver naquelas proporções algum erro, antes mesmo que consigas emitir duas sílabas: per-dão, já estará na rua! Acene com a cabeça se entendeu. E era assim, uma dama linha dura, tal qual a Miranda de " O diabo veste Prada".
 Naquele dia, o fornecimento de glicerina chegara pontualmente às 14:00. Bem no horário combinado e se fosse de outra maneira, se atrasa-se um minuto, ela mandava voltar. O motorista nem descera do caminhão, já conhecia a peça, ou seja, aquela "rainha de copas". O carregador, tremendo, não podia perder aquele emprego de jeito nenhum! Sua esposa estava para dar a luz e desempregado, o senhorio não teria piedade, o despejaria. O pobre homem já tinha sido informado sobre a fama da "Bruxamanda", apelido que ela nem sonhava conhecer, porquanto em ela pagando os fornecedores à vista, nunca faturava os produtos, as empresas preferiam demitir qualquer funcionário que ela indicasse a perdê-la como cliente, pois se não fizessem o que ela queria, o rompimento do contrato era iminente. Pois bem, o carregador depositou o produto com o maior cuidado e com o rabo dos olhos, nem ousando encará-la frontalmente, atentava para cada movimento, cada palavra emitida por ela, rezando para que ele não fizesse nada que ela reprovasse e concentrando a atenção a qualquer palavra, qualquer fonema que ele acataria como ordem inquestionável. Foi quando o "Senhor 89" disse, até para fazer média com a patroa, quase se dando muito mal: -Que bom! com essa glicerina, daqui a pouco, poderei dar início à primeira fase da manipulação! No que Amanda retrucou:
 -Daqui a pouco? Poderei? Na minha empresa o daqui a pouco é agora e o poderei não existe, é pode ou ruuuaaa! Entendeu senhor 89? Por isso eu digo e repito: Não tem nada inteligente pra dizer? Calado, calada, calados, entenderam? Ou falem quando eu perguntar e só, quando eu perguntar mas por favor, eu quero repostas certas. Pago muito bem a todos para isso. Óóóó - e quando ela dizia óóó, todos ficavam com as orelhas em pé e de olhos pregados nela) daqui a pouco não! Óóóó ir já, imediatamente dar início à manipulação! Nesse mesmo instante, o carregador assustado e atento registrou ou melhor, gravou com tanta intensidade a expressão de Amanda "óóó ir já", que dias depois, indo registrar o nome de sua filha que acabara de nascer, quase que involuntariamente, mandou colocar no documento de sua primogênita um diferente nome: Oirgia.
  

  



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